domingo, 6 de março de 2011

FÍSICA INÚTIL


     Fico me questionando, quando estou em sala de aula, qual a utilidade do meu trabalho enquanto professor de física. Sinto-me, mais das vezes, como mero informador. Informo para o vestibular; informo para a conclusão do ano letivo, que desaguará nos concursos de vestibular; informo para garantir o processo formal de educação que - adivinhe - atingirá seu clímax nos processos seletivos do vestibular.

     Qual a utilidade dos conteúdos que ministro? O que um jovem, que almeja uma vaga no curso de sociologia, fará com o cálculo do campo elétrico gerado por uma carga pontual? Ou o que uma pedagoga fará com a equação de Gauss para os espelhos esféricos? Estudantes que anseiam por uma vaga no curso de engenharia ou física, indubitavelmente, se utilizarão de muitos fundamentos estudados em sala de aula. Mesmo assim, o conteúdo em si mesmo pouco significou, aparentemente, para aguçar o senso crítico desses estudantes.

     Outro fato que acho curioso em minha rotina como professor é que nas poucas vezes que o sistema me permite fugir das amarras do desenho curricular formal, os próprios estudantes reagem de maneira defensiva. Uns não dão atenção, enquanto outros acham estúpido. Existe até aqueles que pensam: "é coisa de doido", "o professor está viajando". Discutir sobre como a física de Newton influenciou nossa economia - e continua a influenciar por meio da Econofísica - ou como a física de Einstein influenciou a cultura mundial, mostrando que matéria e energia são manifestações diferentes da mesma realidade é um esforço ousado e quase sempre infrutífero. Claro que alguns se salvam. Já tive estudantes que escreveram artigos para jornais, baseando-se em conteúdos que aprenderam em aulas de física.

     O que motiva esse comportamento?

     Questão por demais complexa que vai desde a mentalidade das famílias, que alimentam a indústria da educação voltada para o concurso, passando pelo professor despreparado e pela escola sem identidade, até chegar aos mais altos escalões do poder. Estruturas complexas decidem como devemos formar nossos estudantes, a fim de atender as necessidades sempre urgentes do mercado.

     O fato é que nossos estudantes não possuem um espaço para exercitar seus poderes críticos. Nós, professores, não os acostumamos a refletir filosoficamente sobre o que estudam. Até as aulas de filosofia, muitas vezes, se limitam a recontar a história da filosofia. Com efeito, encarar a física de Einstein sob um olhar crítico será o mesmo que aplicar a cinemática à reprodução dos ornitorrincos: inútil.
     E vamos ao novo vestibular, agora disfarçado de ENEM!

Luciano Simões

3 comentários:

  1. "Mesmo assim, o conteúdo em si mesmo pouco significou, aparentemente, para aguçar o senso crítico desses estudantes."
    R: O que aguça o nosso senso crítico, amado professor, não é o conteúdo ministrado na sala de aula. É brilhozinho que sai dos seus olhos toda vez que você fala sobre algo que realmente acha interessante. É o esboço de um sorriso triunfante dado quando percebe que a aula sozinha calou a todos (Como aquela inesquecível da Entropia e o Sandman)
    É todo dia alguém acordar e acreditar, mesmo desacreditando, em todos nós, meros pupilos.
    É isso que nos enche de um vazio, professor, vazio que só se completa com conhecimento, evolução. Não é a matéria. É você. Acredite mais em você, que a gente lhe segue. Abraço.
    Mei Loureiro.
    IDEAL Turma de 2005

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  2. "E vamos ao novo vestibular, agora disfarçado de ENEM"
    Prof. Luciano, acho que a questão é o tempo. Se a turma de convenio do ideal tem mais de 50 alunos, menos de 5 vão olhar de forma critica cada formula. O resto simplesmente segue como ovelhas (reflita bem no que é uma ovelha). Isso é otimo...pro governo. a cada ano mihares de estudantes tentam entrar na universidade/faculdade, mas apenas centenas entram. Dentre esse grupo, seletos entram no mercado e um ou outro tem o sucesso e ganham muito dinheiro. pra que? Pra olhar pra trás e ver que aqueles 5 que escutavam com admiração sobre a física não se tornaram ricos, talvez não passaram no vestibular mas, sem duvida, aprenderam algo além das formulas.

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  3. Olá Danilo. Concordo com vc, em parte. Acredito, assim como você, que é interessante para o poder público manter nossas "ovelhas" sobre controle. Por outro lado, acredito que se o projeto do ensino médio fosse diferente poderíamos ter aulas interessantes sobre física e sobre outras disciplinas que fossem, ao mesmo tempo, um aprendizado verdadeiro e útil ao mercado de trabalho, tal como ocorre em alguns países da Europa. Por isso acredito que a coisa vá além de se ter ou não tempo. Mas concordo com você: isso tudo é ótimo para o poder Público.

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