O Surrealismo foi um movimento artístico iniciado, ao que me parece, no ano de 1924, ocasião da publicação do texto Primeiro Manifesto Surrealista, de André Breton. Orientado pelas descobertas de Freud sobre o inconsciente, os surrealistas potencializaram um tipo de arte que extrapolava as manifestações artísticas usuais, recorrendo a imagens oníricas. Para quem já leu um mínimo acerca de psicanálise, sabe que os sonhos são uma espécie de válvula de escape para as estruturas psíquicas do inconsciente. Sentimentos, frustrações e desejos reprimidos encontram nos sonhos seu grande veículo de mobilidade.
Salvador Dali (1904 - 1989) |
No campo específico da pintura, destacou-se o espanhol Salvador Felipe Jacinto Dali que, mesmo no contexto da arte moderna – cubismo, futurismo e outros bichos –, conseguiu notoriedade explorando construções artísticas que distorcem o real. Daí o termo “surreal”, comumente usado quando se quer falar de algo muito, muito, muito diferente e claustrofóbico.
O Grande Masturbador (1929), óleo em tela. É notória a questão do erotismo inconsciente, influência da psicanálise. |
A Metamorfose de Narciso (1937), óleo em tela. Interprete se puder. |
As obras que mais me chamam a atenção, enquanto estudante de física, são: A persistência da Memória e Natureza Morta-Viva. A primeira é, indubitavelmente, o trabalho mais conhecido de Dali. Não serei o último mortal da face da terra a associar as imagens oníricas do espanhol com a relatividade do tempo de Einstein. A idéia de um tempo distorcido e maleável lembra bastante as interpretações oriundas da Teoria da Relatividade. Enquanto na física newtoniana o tempo é tido como um ente absoluto e inexorável, cuja medida independe de quem observa o mundo, na Relatividade de Einstein o tempo é relativizável, dependendo do estado do observador. Daí a noção de maleabilidade do tempo presente nos relógios distorcidos.
Contudo, não me atreveria a dizer que Salvador Dali se inspirou diretamente na física de Einstein para compor a tela. Compreendendo o mínimo acerca do Surrealismo, prefiro embarcar com a maioria e sugerir que os relógios distorcidos figuram a atemporalidade da consciência: nos sonhos, a idéia de “passagem do tempo” parece não fazer muito sentido.
Quanto a Natureza Morta-Viva... A coisa já é diferente. É só reparar na citação de Dali extraída da bibliografia consultada*:
“Com o chifre do rinoceronte, energia máxima no mínimo espaço, frente ao espaço infinito do mar, o quadro resulta da cúspide de uma geometria (...) que permite a mim, a Dali, conhecer existencialmente a verdade do espaço-tempo.”
Para mim é indubitável a relação com a Teoria da Relatividade Geral – que versa sobre o espaço-tempo, termo caríssimo aos físicos modernos – e com a Entropia, teoria que versa sobre a relação entre a energia e o tempo (ver postagem sobre Sandman e a Entropia). Não me sinto capaz de interpretar Dali sem o auxílio de um texto profissional, mas compreendo que o quadro não é só um amontoado de figuras soltas, desprovidas de gravidade, mas um mosaico onírico que combina formas, organização, relação com o espaço, tempo, vida e organização biológica. Impagável!
Imaginemos, agora, que cada um de nós pudesse, assim como Dali, materializar parte dos seus desejos recônditos em óleos sobre telas: que formas fantasmagóricas, maldosas, sinistras e maledicentes não encontraríamos. Melhor mesmo é deixar certos monstros na escuridão do inconsciente.
Física também é cultura... E o que é melhor: surreal.
O que você achou de Dali? Conheça mais sobre o mestre surrealista nos links a seguir e bons sonhos.
(*) – Coleção Gênios da Arte/Barueri, SP: Girassol; Madri: Susaeta Ediciones, 2007.